Por que há uma predominância de azulejos holandeses no Brasil?

publicado em: 30/08/2012
atualizado em: janeiro/2014


Em 2012 comecei um mapeamento dos imóveis do Rio com azulejos em suas fachadas, construídos entre o século XIX e a década de 1920. Desde o início, esta pesquisa tem indicado que boa parte dos azulejos antigos daqui não são portugueses, mas sim holandeses. Há ainda azulejos franceses, belgas, alemães, ingleses e, claro, portugueses. 

Das mais de 200 postagens do blog até janeiro de 2014, 72 apresentam azulejos holandeses, 20 azulejos franceses, 5 azulejos portugueses, 3 azulejos belgas e 3 azulejos ingleses. Há ainda uma grande quantidade de material não publicado, mas mesmo neste material, predominam os azulejos holandeses e franceses.

Uma quantidade imensa de azulejos foram também encontrados na escavação arqueológica conduzida pela professo Tânia Andrade Lima, na antiga praia de Santa Luzia, e já tinham sido, como quase todos os cacos, identificados pela Professora Dora como sendo holandeses.

No levantamento já realizado, podemos perceber alguns padrões decorativos em azulejos holandeses similares aos encontrados em Portugal, como o “Engelsnet” (Renda Inglesa, também conhecido na Holanda por “Braziliaan”, semelhante ao “Crochet” português), o “Hamburger Achtkant” (Octógono de Hamburgo, “Estrela de Hamburgo” no Brasil, padrão este que segundo o catálogo do Museu do Azulejo da Holanda teria sido criado em Harlinger, por volta de 1858, e depois copiado por outras fábricas holandesas entre 1860-1920) e o “Viersterren” (Quatro Estrelas, semelhante ao "Estrela e Bicha" ou “Bicha da Praça” português). Este último, segundo A.J. Barros Veloso no livro “Azulejos de Fachada em Lisboa” (Ed. Câmara Municipal de Lisboa, 1988), seria um padrão de provável influência holandesa. 

E aí a gente pode se perguntar qual a razão de se usar tantos azulejos holandeses no Rio de Janeiro, apesar da forte ligação histórica e comercial entre o Brasil e Portugal, ainda mais no século XIX, quando a corte portuguesa se transferiu para o Brasil. Não sei responder, mas posso "chutar" umas hipóteses.

Pode ter sido consequência da "abertura dos portos às nações amigas" que os ingleses impuseram a D. João VI, como uma das condições para auxiliarem a corte portuguesa em seu traslado para o Brasil, na fuga da invasão naopleônica. Uma vez "abertos os portos", o monopólio português nas importações brasileiras, que havia até então, foi perdido.

Há sobrados no Rio, construídos depois da Independência do Brasil e antes da proclamação da República, que são revestidos com azulejos holandeses. Ou seja, D. Pedro II, que embora nascido no Brasil, ainda carregava consigo toda a tradição da corte e da cultura portuguesa, ainda morava e governava o Brasil de São Cristóvão, mas os azulejos que estavam sendo usados na cidade não eram em maioria portugueses.

E depois da proclamação da República, quando o país viveu um período triste de aversão e desprezo de tudo que fosse lusitano, é ainda mais fácil entender as razões para se usarem azulejos de todos os países, menos de Portugal. 

Como podemos ver neste anúncio de 1889, do Almanach Laemmert, o principal do país à época, estão anunciados apenas azulejos franceses e holandeses.


Para complicar ainda mais, os azulejos holandeses, via de regra, tinham dimensões próximas dos azulejos portugueses, sendo entre 13 e 13,5 cm nos azulejos holandeses (principalmente 13,2 cm), e entre 13,5 e 14 cm nos azulejos portugueses. E naturalmente, havia cópia de padrões entre as fábricas de um mesmo país, e dos vários países produtores. Como exemplo, o padrão "Estrela e Bicha", que foi largamente produzido em Portugal e na Holanda. 

É sabido que a exportação de açúcar do Brasil para a Holanda nesse período (século XIX) era bem elevado. E sempre podemos supor que os azulejos seriam um ótimo lastro de estabilidade para as embarcações no caminho da Holanda para o Brasil.

De toda forma, o uso dos azulejos, seja lá de qual origem, para cobrir fachadas de construções, é algo tradicionalmente luso-brasileiro. Na Holanda, como originalmente em Portugal (antes de meados do século XIX), os azulejos eram usados apenas nas paredes internas das habitações, principalmente nas cozinhas, copas e para cobrir lareiras.

Na verdade, existe ainda uma certa polêmica entre os estudiosos do tema em relação a essa inovação do uso do azulejo em fachadas. O fator complicador é que em ambos os países o uso de azulejos para revestir fachadas frontais de construções começou praticamente na mesma época, por volta do início dos anos 1840. 

Santos Simões, historiador português, afirma categoricamente que essa é uma invenção brasileira, enquanto que os especialistas brasileiros Dora Alcântara e Mário Barata atribuem tal invenção a Portugal. Além de embelezar as fachadas, o azulejo tinha a função utilitária de proteção em situações de umidade, característica do nosso clima tropical, agravadas nas cidades litorâneas ou cidades situadas às margens de rios.

Então, mesmo que os azulejos usados no Rio de Janeiro sejam holandeses, franceses, belgas. ingleses ou mesmo alemães, ainda assim estas construções cobertas de azulejos, pela prática do uso dos mesmos, e por sua tipologia arquitetônica, ainda funcionam para mim como um forte elo afetivo com meus "irmãos" lusitanos!

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