quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Santa Teresa VI - Solar da Chácara do Viegas


Segundo o site do INEPAC (Instituto Estadual de Patrimônio Cultural), a antiga sede da Chácara dos Viegas começou a ser construída no ano de 1860 e foi finalizada em 1861. Já em 1873 passou por uma ampla reforma, tornando-se um belo exemplo de composição neoclássica com adoção de revestimento em azulejaria na fachada (provavelmente todos holandeses), o que a torna uma raridade de sincretismo arquitetônico.

Quase todos os padrões de decoração de azulejos usados nesta casa já foram comentados em outras postagem deste blog, como por exemplo o modelo Blokrand (borda de blocos) e o modelo Marmer (mármore, marmorizado), (respectivamente a cercadura e o padrão de preenchimento abaixo), e por conta disto não vou mais comentá-los nesta postagem.


Há entretanto três modelos que merecem comentário. O primeiro já apareceu em outros imóveis, mas eu ainda não havia encontrado uma origem para o mesmo -- o modelo "Plafondblad" (folha [forro?] de teto).


Segundo o catálogo do Museu do Azulejo da Holanda, ele teria sido produzido entre 1875-1900, em Harlingen, uma cidade da região independente da Frísia, nos Países Baixos. Ele é encontrado no catálogo em mais de uma combinação de cores.

modelo "Plafondblad"
Os outros dois modelos podem ser visto na foto abaixo:


o modelo "Kettingster" (colar e estrela) também aparece no catálogo do Museu do Azulejo da Holanda em muitas combinações de cores. Uma particularidade deste modelo é que também foi produzido na França, na região de Desvres (Pas de Calais). Talvez por isto o INEPAC tenha cometido um erro ao afirmar na página do tombamento deste imóvel que ele é revestido por "azulejos franceses". Às vezes pode não ser mesmo fácil distinguir um do outro.

Mas não é impossível. Primeiro, há a questão do tamanho. Azulejos de Desvres via de regra medem 11x11 cm, enquanto os holandeses, 13x13cm. E de cara percebemos, ao estar frente a frente com o imóvel, que os azulejos lá são do tipo maior.

Segundo, na versão francesa aparece muito o efeito de borrão ("flow"),  típicos dos azulejos franceses. Os holandeses até podem eventualmente apresentaar borrão também, mas é muito mais suave do que nos franceses.

versão francesa do padrão.
Por fim, vem o detalhe mais sutil, mas que não escapa aos mais atentos. Na versão holandesa, os pontinhos dentro das "contas" do colar estão sistematicamente virados sempre na mesma orientação, o que não acontece com os azulejos franceses, onde estes pontos são mais bagunçados.

padrão "Kettingster" holandês.
Por último, temos o modelo "Schildpad", que traduzido para o português, nada mais é do que tartaruga! Segundo o catálogo do Museu do Azulejo da Holanda, ele teria sido produzido entre 1750 e 1850. Nesta catálogo há algumas variações na textura final do azulejo, mas a que eu escolhi para ilustrar abaixo é bastante próxima ao que vemos no Solar.

modelo "Schildpad" (tartaruga)
O solar apresenta diversos ornamentos industriais importados: quatro estátuas representando as estações do ano, e dois globos de faiança do norte de Portugal (Fábrica de Santo António do Vale da Piedade*1).















Segundo Francisco Queiroz [>>], pesquisador português, estas estátuas seriam das primeiras reproduções dos mesmos modelos da Fábrica Devesas, antes de José Joaquim Teixeira Lopes, escultor e ceramista português, co-fundador, sócio e principal artista da Fábrica de Cerâmica das Devesas, ter sido "obrigado" a cedê-los em exclusividade para reprodução nesta fábrica, ao integrar a sociedade da mesma. A concepção destas estátuas remontaria à primeira metade da década de 1860, época em que estas estátuas ainda eram produzidas na Fábrica de Santo António do Vale da Piedade, antes de se tornarem exclusivas da Fábrica Devesas.



Há também dois leões de louça francesa (segundo o INEPAC, pois não há marca aparente nos mesmos) no portão de entrada da garagem. 



A casa ainda funciona com residência.

1 - Fundada em finais do século XVIII, a Fábrica de Santo António do Vale da Piedade, em Vila Nova de Gaia, junto ao Rio Douro, teria sido a grande responsável pelo estilo característico da azulejaria de fachada do Porto e de toda a região Norte de Portugal. Foi uma das principais produtoras de ornamentação cerâmica para aplicação na arquitetura do Romantismo, tendo fabricado desde azulejos lisos e relevados, a estátuas de faiança, passando por vasos para jardim e telhões decorados para beirais. Foi grande exportadora deste tipo de artefactos, em meados do século XIX, nomeadamente para o Brasil, onde ficou conhecida como a "Fábrica de Santo Antônio do Porto". (fonte >>)

20 comentários:

  1. Que maravilha, Fábio! Fiquei encantada com as estatuetas e com os globos de Sto António de Vale da Piedade.
    Mas o que acho extraordinário é que consiga identificar todos estes padrões de azulejos holandeses através do Museu do Azulejo da Holanda!
    São tantos, tão variados...
    Desejo-lhe um ótimo 2013, caro amigo.
    Beijos

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    1. Olá Maria Andrade, FELIZ 2013!!
      Que incrível; eu terminei a postagem, e nem 30 minutos depois você a comentou. :-)
      Este solar é maravilhoso! Eu fiz muito mais fotos do que as que publiquei, mas infelizmente todas da rua, pois como ainda é uma residência, não se pode entrar na propriedade.
      Os globos são LINDOS mesmo. Numa postagem anterior publiquei umas pinhas da casa ao lado desta Chácara. E neste bairro não é difícil encontrar este tipo de ornamentos, pois foi por muito tempo um bairro bastante aristocrático, de casarões e propriedades belíssimas, muitas ainda lá até hoje.
      Os leões, sei não... acho que da mesma forma que o INEPAC errou a nacionalidade dos azulejos, podem ter errado sobre os leões também.
      O museu do azulejo da Holanda tem mais de 11.600 entradas no catálogo... O que eu faço é ter paciência! Eu salvei todos os de século XIX e princípio do XX no meu computador, o que me facilita a consulta.
      b'jinhos!

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  2. Fábio

    A Casa é um encanto e tu já deves ser o homem que mais sabes de azulejos no Rio. Encantei-me com as figuras alegóricas em faiança. A primeira consegui perceber que era a inveja. A segunda talvez seja Audácia, mas as outras duas não consegui ler de todo. Talvez representem outras qualidades ou defeitos humanos. Tu não tens outras fotos onde se consiga perceber quem são estas alegorias?

    Um abraço alfacinha

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    1. Olá caro Luis,
      As figuras, na verdade, representam as estações do ano. Apesar da casa ter apenas 1 pavimento (em teoria, pois há aquele pavimento infeiror, típico de casarões antigos), o pé direito é muito alto, e ainda há toda a altura da ornamentação que esconde o telhado, de forma que eslas estão bem altas, quase que não dava para ver a legenda e a marcas da fábrica.
      Coloquei detalhe das legendas, e mesmo as que estão muito borradas, por causa da distância, ou meu descuido de não ter percebido que a bela primavera ficou fora de foco, é possível ver a forma e unúmero de letras, que batem com a respectiva palavra da estação do ano que aquela figura representa.
      Achei curioso que apenas o verão é uma figura masculina, quase um jovem e desinibido grego, pronto pra largar a túnica e aproveitar o sol no mar Egeu.
      abraços!

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  3. A terceira figura, com as espigas deve representar certamente a abundânciia

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    1. Não deixa de ser! Afinal, é a primavera. Nao me espantaria se esta for a Deméter (Ceres).
      abraços!

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    2. Surgimento das quatro estações do ano:
      Deméter, após o acordo com Hades, decidiu que a Terra e os homens devessem compartilhar de suas emoções e sentimentos sobre o ocorrido com sua filha. Para isso, ela criou então quatro estações, as quais seriam definidas de forma que todos soubessem como ela se sentia (Proserpine, que fora raptada por Hades, e depois de um acordo com os deuses do Olimpo, deveria habitar o submundo pormetade do ano, e o Olimpo na outra metade).
      Como Proserpine deveria voltar para o submundo uma vez ao ano, Deméter criou o Outono; onde as plantas se enfraqueceriam e suas folhas secariam, demonstrando a passagem da jovem deusa para o submundo.
      O Inverno foi criado para demonstrar a tristeza e a solidão que Deméter encontrava longe de sua filha.
      O Verão foi criado para que Apollo ficasse mais tempo em regência no céu, de forma que pudesse avistar Proserpine quando retornasse do submundo e demonstrava a luz que o deus deu a Deméter quando ela se sentia perdida.
      Finalmente, a Primavera foi criada para demonstrar a volta de Proserpine e a alegria de Deméter pela volta da filha.

      talvez a figura do verão seja o próprio Apolo.

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  4. Se me lembro, segundo a simbologia romana, os deuses que simbolizavam as quatro estações seriam Ceres - donde vem o termo "cereal" (a grega Demeter, que pode estar associada quer ao Verão quer ao Outono, altura da colheita dos cereais e outros produtos da terra), Flora (rodeada de flores, como atributo) é identificada com a Primavera, Baco (o grego Dionísio, associado aos festivais báquicos romanos, no início da Primavera; os seus pais não são consensuais, e segundo alguns autores, na mitologia grega, é considerado como filho de Zeus e Perséfone ou então de Zeus e Deméter) e Saturno, o titã deus das colheitas e da agricultura (em sua honra tinham lugar em Roma, no Inverno, as festas ditas "saturnalia", muito populares e onde se procedia à troca de presentes).
    Julgo que neste caso, já com a tradição original algo pervertida, a figura do Inverno estará possivelmente associada a Saturno, Flora à Primavera, Ceres ao Outono e, finalmente, Baco ao Verão.
    Mas o que é válido para um tempo e povo, não o será necessariamente para outro, pois ao longo do tempo, e sobretudo na era cristã, a antiga mitologia greco-romana foi não só reconvertida como também deturpada, por isso, deverão existir diversas interpretações sendo esta uma das possíveis.
    Uma das fontes dos jardins de Versalhes, cujo tema são as quatro estações do ano, a identificação das estátuas segue esta versão que aqui coloquei, apesar das figuras não corresponderem exatamente aos modelos apresentados nesta casa.
    Manel

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    1. Para juntar alguma informação identificadora da estátua que representa o Verão como Baco, ou Dionisio, pode-se notar que os atributos identificativos deste deus podem ser variados, nomeadamente o ser representado como um jovem imberbe, coroado com coroa de louros (outras vezes cobre-lhe a cabeça uma pele de cabra ou pantera) e carregando numa das mãos o tirso (uma espécie de bastão, que costuma estar enfeitado com espécies vegetais, hera sobretudo, e com o qual matou, na luta de deuses contra gigantes, o gigante Eurytos).
      Muitos outros atributos o identificam igualmente, mas, nesta situação, visível na fotografia, nenhum deles está presente
      Manel

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    2. Olá Manel,
      Obrigado pela bela aula! Vou ver se a foto do rapaz, em seu tamanho original, revelar alguma coisa a mais, e te mando por email.
      abraços!

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    3. Olá Manel,

      Olhe que interessante que acabei de encontrar:

      A escultura cerâmica portuguesa no exterior de arquitecturas luso-brasileiras
      Alexandre Nobre Pais

      http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.148/4484

      Vou te enviar por email também, pois não sei se você ainda voltaria por aqui, mas queria deixar também nos comentários, caso alguma outra pessoa se interesse.

      abraços!

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    4. Ai Fábio, aquela ideia do velho bêbado, gordo e decadente a representar Baco é uma efabulação mais recente; como os festivais báquicos levavam a todos os excessos acabaram por ser proibídos na Roma antiga e, mais tarde, e com razões acrescidas, claro, pelo cristianismo!!!!
      Mais próximo de nós, na pintura de estilo Barroco, a imagem foi ainda mais subvertida e levou ao que sabemos (É horrível, o Baco de Rubens!). Apesar de não tão horrível, e está nos antípodas do anterior, o Baco de Caravaggio é algo que me desconcerta e do qual, definitivamente, não gosto, mas entendo o que ele pretendeu representar.
      Para os gregos Dionísio era um jovem, por vezes até algo imberbe, muitííííssimo esbelto e belo .... lololol
      Desculpa tanto comentário, mas é um assunto que me encanta, a mitologia
      Manel

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    5. Precioso Fábio ... simplesmente precioso. Aquilo que tu não consegues encontrar ninguém consegue ... muito obrigado. Já estou a consultar!
      Manel

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    6. Olá Manel,
      Pelo visto, eu fui contaminado pro esta imagem preconceituosa e moralista de Baco. Jamais tinha ouvido falar que originalmente ele seria um jovem esbelto e até mesmo imberbe. Está vendo o que os filmes americanos podem fazer com a cabeçad a gente?
      De toda forma, ainda me relaciono melhor com Apolo, pois eu sou mais "cabeça dura", rígid, rigoroso. Queria aprender um pouco com Baco, mas sempre que tentei, acabei no lado dos excessos, e dos vexames!
      Talves seja porque nasci do mesmo dia que Apolo, segundo consta... (7 de Thargelion, que corresponde atualmente ao dia 21 de maio). Platão, Dante Alighieri e Albrecht Dürer também nasceram neste dia. Já viu né, que responsabilidade eu carrego!
      abraços

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    7. Manel, gostei do texto, mas fiquei um pouco decepcionado; o achei um tanto introdutório apenas, mas talvez fosse este o seu objetivo. Achei que teria discussões mais profundas, e mais fotos!
      abraços

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    8. Pior sou eu Fábio, que partilho o dia de aniversário com Hitler!!!!!!
      Manel

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    9. Ui Manel, que ruim!! Mas pensa pelo outro lado: não importa o que você faça, você SEMPRE vai ser melhor do que ele. Já ser melhor que Apolo, Platão, Dürer, Dante... putz! que impossível!!! ;-)
      abraços

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  5. Fábio

    Obrigado pelas legendas e transcrição. Estou cada vez mais cegueta. Gosto sempre de perceber quem são as alegorias destas estátuas cerâmicas e já percebi que que há umas combinações que se repetem, como as virtude teologais, os continentes, as actividades económicas, etc

    Um abraço

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    1. Não é você que está cegueta, meu caro! as fotos é que não estavam ajudando.
      abraços!

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  6. Manel

    Muito obrigado pela tua boa explicação

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