terça-feira, 10 de julho de 2012

Centro I


Hoje, depois de tantas surpresas via Google Street View, ou fotos em álbuns no Facebook, como tinha uma reunião no Centro da cidade, aproveitei, saí de casa uma hora mais cedo do que o necessário, e FINALMENTE fiz o meu primeiro "safári" atrás dos azulejos antigos, sobreviventes do passado do Rio de Janeiro.
Eu estive nesta rua há poucos dias por acaso, quando consultava o Google Street View, dei de cara com 2 prédios antigos, do século XIX, azulejados nesta rua.

Meu objetivo era fazer um único post, com fotos destes 2 prédios. Mas qual não foi a minha SURPRESA ao descobrir, num percurso que não chegou a 300m, mais TRÊS prédios azulejados, fora mais azulejos antigos no vestíbulo e área lateral de duas igrejas da região! Eu fui fotografar 2 prédios, voltei com fotos de 7!

Além disso, uma coisa que me impressionou foi a mistura de padrões de azulejos em uma mesma fachada, para se conseguir efeitos que eu não me lembro de ter visto nas minhas duas recentes visitas à Portugal. Um mesmo prédio pode ter até 4 ou 5 padrões diferentes!

Por isso tudo, decidi que ao invés de um único post, farei uma série, de forma a poder mostrar várias fotos de um mesmo prédio, e assim, tentar compartilhar com vocês a minha felicidade em ter encontrado estes prédios, de forma geral em bom estado de conservação, e em pleno uso, pois estamos falando do centro financeiro e nervoso do Rio de Janeiro, o que torna ainda mais fantástica a sobrevivência destes prédios, em um local que passou por várias reconstruções ao longo de sua história recente, onde boa parte dos pequenos prédios comerciais de 2 ou 3 andares da segunda metade do século XIX foram substituidos primeiro por prédios de 5 a 10 andares na primeira década do século XX, quando houve o "afrancesamento" da cidade, e a partir dos anos 1920, e nos anos 1940 com uma aceleração cada vez maior, por grandes prédios comerciais de 20, 30 e até 40 andares.

Tive uma felicidade imensa ao chegar no prédio, e descobrir que o crime que havia sido cometido contra esta bela construção foi reparado. Vejam abaixo a imagem que havia publicado no post anterior, que deve ser de 2010, ano em que o Google Street View começou no Rio de Janeiro, e observem que haviam removido parte dos azulejos, as belas grades de ferro dos arcos, parte dos detalhes em estuque logo abaixo do balcão do segundo andar, cimentado os arcos, arrancado a coluna entre o primeiro e segundo arcos da esquerda, e acrescentado uma coluna bem no meio do segundo arco da esquerda:


E vejam agora que os arcos, estuque, grades, azulejos, estão TODOS de volta, como se o tempo e as pessoas não tivessem maltratado este belo exemplar da arquitetura carioca no século XIX! Confesso -- fiquei com os olhos carregados de água.


O centro do Rio de Janeiro teve uma primeira onda de revitalização e revalorização de suas construções históricas através de um programa municipal de incentivos fiscais implantado nos anos 1980.

Entretanto, este programa com a grave crise econômica que o Brasil atravessou nos anos 1990, infelizmente ficou abandonado. Nos últimos 2 ou 3 anos, a cidade foi tomada por um verdadeiro tsunami de reformas e construções, em particular no centro e zona portuária, que será um dos núcleos principais dos Jogos Olímpicos de 2016.

Infelizmente não há mais, ou não achei, a indicação do ano de construção do prédio, prática comum no Rio de Janeiro ao menos desde o século XIX, até primeiras décadas do século XX.

Passo agora aos detalhes, onde se pode ver a variedade de padrões empregados no revestimento da fachado do belo prédio. O principal padrão usado, tanto no térreo, quanto nos dois pavimentos superiores, é o "Estrela e Bicha", ou "Bicha da praça", como é conhecido em Portugal.

No térreo é usado um azulejo de cercadura predominantemente verde, mas com bordas e detalhes em vermelho ou vinho.





atualização em 9/03/2013

Segundo o mestre da azulejaria holandesa Jan Pluis, uma versão do padrão do azulejo usado na cercadura no vestíbulo da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate está representada no livro de modelos de por volta de 1870 da fábrica de Jan van Hulst, que ficava em Harlingen, Holanda. O nome do padrão seria "Driekwart Engelse" (3/4 inglês), fabricado em Harlingen entre 1860 e 1930.



Já nos dois pisos superiores, é usado um padrão predominantemente azul, mas com detalhes em marrom:


Além disso, nos pisos superiores, na aresta do prédio, há uma curva revestida com um padrão que à distância cria um efeito marmorizado (padrão "Marmer"), principalmente por ser um azulejo com uma superfície mais brilhosa do que todos os demais. Este azulejo aparece no térreo apenas em pequenos detalhes, entre a base dos arcos das portas.

O padrão "Marmer" (mármore), também conhecido como "Marmerde" (marmoreado), "Albast" e "Albasterde" (alabastro), segundo o livro "De Nederlandse Tegel / The Dutch Tile", de Jan Pluis (a maior "bíblia" no assunto), foi produzido com muitas variações entre 1780 e 1930, na região de Harlingen, Makkum e Utrecht, Países Baixos. 


Abaixo, pormenores de todos os quatro padrões de azulejo usados no revestimento deste prédio:



azulejo de um catálogo online de azulejos antigos holandeses,
com alguma semelhança aos usados na cercadura vista na foto acima.

azulejo encontrado em escavações arqueológicas no Centro
do Rio de Janeiro, classificado como holandês pela profa. Dora Monteiro,
modelo similar ao usado em cercaduras do prédio em questão.

Azulejo do padrão "Estrela e Bicha", de um catálogo online de azulejos antigos
holandeses, similar aos usados nas áreas maiores da fachado deste prédio.

Os azulejos do pavimento térreo são todos pintados com o uso de estanhola (estampilha), e por isso, são regulares, quase idênticos. Ainda por cima, apresentam uma tonalidade de azul mais clara, menos saturada, mais "lavada". Obviamente estamos vendo réplicas produzidas para a restauração do sobrado:


Já os azulejos dos pisos superiores são os originais holandeses, pintados com estampilha e à mão livre.



Para encerrar, as bonitas janelas do primeiro andar.

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