sábado, 2 de fevereiro de 2013

Catumbi III

Esta postagem apresenta de uma só vez os azulejos de oito casas no Catumbi, bairro que, como disse no post anterior, já teve seus dias de glória, mas que há décadas é uma região abandonada e empobrecida, em plena área central da cidade.


Há muitas fotos nesta postagem, para o qual peço sua paciência, mas não teria sentido fazer oito postagens separadas, pois todas as casas possuem em sua fachada os mesmo azulejos, sempre na mesma configuração. Todas as casas já sofreram severas alterações de seu desenho original. 

As casas estão quase todas em sequência direta, com apenas alguns intervalos. Nestes intervalos há casas que foram brutalmente alteradas, restando em algumas traços de similaridade com as azulejadas. Isto me faz acreditar que originalmente, se não todo estre trecho da rua, ao menos quase todo ele apresentava vários sobrados construídos ao mesmo tempo, com aspecto idêntico, na arquitetura e azulejamento.

Abaixo vemos as fotos de sete das oito casas. A nona casa não valia a pena publicar, pois restou apenas uma nesga de azulejos no seu canto esquerdo, o que é visto no lado direito da oitava casa. A primeira casa, que já foi um dia uma agência dos Correios, e agora é uma serralheria, parece ser a que menos sofreu alteração em sua arquitetura original.  










A seguir, vemos os azulejos encontrados nas oito casas. Quase todos já apareceram neste blog, com apenas uma excessão, e uma variação do padrão "Rozensterjá visto neste blog. Todos os azulejos usados nas casas são provenientes da Holanda.

O azulejo de padrão que vemos abaixo é a novidade encontrada nestas casas. É um belíssimo padrão pintado à mão livre, um dos mais belos azulejos que já encontrei aqui no Rio de Janeiro. Infelizmente as fotos não fazem justiça à beleza destes azulejos.

  


Na foto acima vemos o azulejo de cercadura usado na fachada das casas. Segundo o catálogo do Museu do Azulejo da Holanda (Nederlands Tegelmuseum), este teria sido fabricado em Utrecht, entre o século XIX e 1910, e o nome do padrão seria "Krulhalfje".


Eu achei outro azulejo de cercadura no mesmo catálogo, com desenho parecido:


Em sua ficha técnica, consta que este azulejo foi produzido na fábrica de Jan van Hulst, entre o século XIX e 1910. Esta fábrica operava na cidade holandesa de Harlingen. 

Acho a versão de Utrecht muito mais parecida com o azulejo usado no imóvel apresentado nesta postagem, tanto no formato do desenho, quanto a técnica de pintura. Como também já encontrei neste catálogo uma grande quantidade de azulejos usados no Rio de Janeiro no final do século XIX também fabricados em Utrecht, quase todos de uma mesma fábrica, creio que seja mais provável que o azulejo de cercadura deste imóvel em particular tenha vindo de Utrecht.

A cercadura usada nos sobrados acima possui uma cantoneira, que infelizmente não foi usada nestes imóveis:


As casas possuem dois frisos superiores, sendo que no mais baixo aparece a variação do padrão  "Rozenster", como eu falei mais pelo meio da postagem. É o único local até agora onde eu vi esta variação do padrão, com o círculo de corações.


Veja um close-up da variação encontrada nesta rua do Catumbi:


E o padrão "Rozenster", em algumas fábricas, ou "Ross Ster", em outras, como até então havia encontrado em casas do Rio:

Abaixo vemos o padrão, como encontrado nas casas desta postagem, em um catálogo de Utrecht, de 1815, da fábrica Kraane Poock & Bruijn:

E agora, no mesmo catálogo, o padrão como encontrado nos demais imóveis do Rio de Janeiro:

Agora vemos o padrão, como encontrado nas casas desta postagem, em um catálogo da fábrica Ravesteyn, também de Utrecht, de 1890:


E agora, o mesmo padrão, no livro de modelos da fábrica de Frederik Jacobus Kleijn (Roterdam):


A seguir, vemos um detalhe do conjunto formado com os padrões "Mármore" e "Rozelintlijst", encontrado nos extremos dos frisos do padrão "Rozenster":


Abaixo vemos o padrão "Mármore" em um catálogo da fábrica Ravesteyn, de Utrecht, de 1890 (canto inferior esquerdo):

Abaixo vemos uma ficha do padrão "Mármore" obtida no catálogo do Museu do Azulejo da Holanda (Nederlands Tegelmuseum). Este padrão já foi visto em diversas outras postagens, onde foram apresentados catálogos de algumas fábricas que fabricaram este padrão.


Abaixo vemos um exemplar similar aos azulejos de cercadura usados no detalhe anterior, do padrão "Rozelintlijsta" (algo como "fita com rosa e listras"), também obtido no catálogo do Museu do Azulejo da Holanda.


Detalhes do friso mais ao alto:



Abaixo vemos o padrão usado neste friso em uma página do catálogo da Real Fábrica de Azulejos da Holanda (canto superior direito da página):


Em uma das casas, onde as telhas que separam os dois frisos superiores estão mais curtas, foi possível ver que abaixo do friso mais ao alto, há uma fileira de azulejos do padrão "Tartaruga" ("Schildpad"):



Segundo o catálogo do Museu do Azulejo da Holanda, o modelo "Schildpad" teria sido produzido entre 1750 e 1850. Nesta catálogo há algumas variações na textura do azulejo.
modelo "Schildpad" (tartaruga)
Abaixo vemos duas fotos de "remendos" de duas das casas, sendo que em ambas aparece um "invasor" francês (na primeira foto indicado por uma seta)




A foto acima me lembra muitos "remendos" que já vi em Portugal, onde azulejos que cairam são  recolocados de qualquer jeito, e surgem "invasores" para completar os buracos.

Curioso foi por estes dias ter passado por um site de uma loja que vende azulejos fora de linha, e ter encontrado uma reprodução do padrão principal destas casas, provavelmente fabricado entre os anos 1960 e 1980:


Eu acho muito interessante este uso de azulejos de diversos padrões na decoração da fachada de um imóvel, pois eu jamais vi algo parecido em Portugal, o que me sugere um uso desenvolvido no Rio de Janeiro, pois mesmo os casarões antigos que já vi em São Paulo, Manaus, Belém e São Luiz costumam seguir o padrão português: um azulejos de padrão e um de cercadura. Teríamos então um modo novo, totalmente carioca, mais lúdico, menos rígido.

Neste "modo carioca", incluiria também as casas que mesmo que usem apenas um padrão e um a cercadura na fachada, apresentam um friso superior com uma outra dupla de padrão/cercadura, algo também muito comum no Rio de Janeiro, mas que nunca vi em outras cidades no Brasil ou Portugal.

Outros exemplos deste tipo de composição com vários padrões podem ser visto na casa de três andares da Praça Tiradentes, e o grande sobrado da rua do Riachuelo, infelizmente desfigurado em 2008. Há imóveis no bairro do Catete que também apresentam composições com vários padrões de azulejos, que serão oportumente apresentados neste blog.

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Atualização em 4/2/2013

Hoje o incansável colaborador Peter Sprangers me enviou duas imagens relativas ao novo padrão encontrado nas casas acima, do catálogo de 1890 da fábrica Ravesteyn, de Utrecht. Abaixo vemos novamente a foto dos azulejos, seguidas pelo desenho do padrão (em manganês) no catálogo, e ao final uma bela variação do mesmo motivo.



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Atualização em 5/2/2013

Hoje recebi do amigo Raul Félix uma foto da nona casa em 2003, antes que seus azulejos fossem arrancados da fachada. É uma pena que ela agora esteja nua, no cimento.


Também hoje recebi informações sobre o azulejo de padrão principal destas casas, do colaborador holandês Johan Kamermans, curador do Museu do Azulejo da Holanda. O nome desta padrão é "Beugelbloem". Johan informou ainda que no livro 'The Dutch Tile, designs and names 1570-1930', de Jan Pluis consta que este padrão foi observado pelo autor apenas em roxo e manganês, e teria sido produzido em fábricas de Harlingen, Makkum e Utrecht. Johan me mandou também uma foto do único exemplar deste padrão que eles possuem no museu.

10 comentários:

  1. Caro Fábio

    Muito pacientemente vais encontrando a origem dos azulejos, forma de os dispôr mais característica e aos poucos vais esboçando uma história do azulejo carioca, nos finais do XIX, inícios do XX.

    um abraço lusitano

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    1. Sim, paciência é uma condição para este tipo de pesquisa, mesmo que informal e por lazer. Mas foi muito pior quando me dediquei à pesquisa sobre a indústria brasileira de louças. E tive a sorte de contar com grandes colaboradores de Portugal e da Holanda nesta pesquisa, o que está me facilitando muito.
      abraços!

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  2. Grande Fábio e amigos azulejófilos de todos os lados do oceano,

    Algumas considerações sobre o conjunto da Rua do Couto (Dom Pedro Mascarenhas) e seus azulejos:

    As casas 1, 2, 3 e 4 foram todas claramente construídas como casas térreas e, portanto têm, não dois frisos, mas sim friso e platibanda azulejados. Todas foram grosseiramente descaracterizadas e só a nº 1 não recebeu um "puxadinho", sendo portanto a mais próxima da concepção original do conjunto. As casas 5 e 6 parecem já ter sido originalmente como sobrados pois, embora já grandemente destituídos de seus elementos decorativos indicadores de estilo, têm janelas delimitadas por blocos de pedra de cantaria. O 7 é o mais curioso pois enquanto o andar térreo segue uma linguagem neoclássica imperial idêntica à dos seus vizinhos, o segundo andar já é nitidamente art nouveau. Não consegui encontrar evidências, nem nem na sua foto dele, que não dá para ampliar, nem na minha http://www.panoramio.com/photo/79953411 , que me permitam decidir com certeza se o sobrado foi reestilizado (mais provável) ou se aí também, foi feito um "puxadinho", só que antigo e de excelente qualidade. Lamento muito ver que a casa 8 se encontra em condição tão lastimável, pois quando a fotografei para o site do Catumbi ( http://www.bairro.catumbi.nom.br/ ) em 2003, parecia ter, tal como a 5 e 6, todas as características de um sobrado neoclássico, e estava inclusive em melhor estado que elas. Vejam: http://www.bairro.catumbi.nom.br/flargo15.htm (Prometo procurar as fotos originais que tenho destes imóveis, em melhor resolução. As conexões na época eram muito lentas e por isto optamos por colocar tudo em baixa resolução.)

    Abraços cariocas,

    Raul.

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    1. Caro Raul,
      Muito obrigado por suas observações e correções.
      Infelizmente não disponho do um conhecimento de arquitetura como o seu, até porque meu interesse é muito mais os azulejos e bem menos a arquitetura em si. Que bom que posso contar contigo.
      Quando eu uso o termos "friso" não o uso no que talvez seja seu significado correto em arquitetura, mas apenas como a palavra é usada em artes decorativas.
      Também notei que a casa 1 é a que se mantém provavelmente mais próxima do projeto original. A casa 7 me fez rir um pouco, ao notar que já em 1911 existia o "puxadinho", muito embora tenha sido feito com muito mais elegância e capricho do que as versões mais recentes.
      Acabei de ver sua foto no site do Catumbi, e é uma tristeza ver que tão recentemente algum antiquário vigarista removeu ou mandou remover os azulejos da casa 8, que não tem mais praticamente nada em sua fachada, agora nua, e que estava tão ainda completa em sua foto. Só posso imaginar que foi isto que aconteceu. Não me espataria de encontrar estes azulejos no Shopping Copacabana...
      Quanto à casa 7, se quiser, posso te mandar uma versão em alta resolução.
      abraços!

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  3. Realmente o Fábio está a fazer um levantamento bastante exaustivo dos azulejos de fachada no Rio de Janeiro.
    E parece que a grande maioria é de origem holandesa, o que para mim é uma surpresa!
    Bem, já aqui foi dito que depois da independência os cariocas - e certamente os brasileiros em geral - não queriam ter nada a ver com a antiga pátria lusa!
    Nem azulejos queriam de lá!!! (isto é, de cá :))
    Em parte será verdade, mas certamente puderam então diversificar as relações comerciais com outros países europeus e a Holanda foi pelos vistos um deles.
    Obrigada por toda esta amostragem de belos azulejos nesta maneira carioca de os misturar nas fachadas.
    Um abraço

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    1. Olá Maria Andrade,
      O curioso é que isto aconteceu apenas aqui no Rio. Se você olhar as fachadas azulejadas de outras cidades nos estados do Norte e Nordeste (por exemplo, São Luiz, Salvador, Belém e Manaus), os azulejos são praticamente todos portugueses!! Os mesmos azulejos que encontramos em Lisboa, Porto, e nas demais cidades portuguesas.
      Mas aqui no Rio, praticamente só dá Holandês, e em menor quantidade, francês. Uma ou outra coisa portuguesa. E até mesmo nas igrejas, os azulejos de padrão são holandeses.
      Mas, apenas para colocar mais interrogações em nossas cabeças, há a quantidade incrível de telhão de beiral e figuras/vasos/pinhas/etc de faiança do norte de Portugal por aqui. Então, havia comércio no Rio de Janeiro com as fábricas de faiança do Porto e região, mas os azulejos vinham da Holanda e França, e até mesmo, em quantidade bem menores, Inglaterra, Bélgica e Alemanha (mas destes países, aparentemente, apenas já no século XX).
      b'jinhos!

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  4. Fábio, nestes poucos meses que vens desenvolvendo este teu trabalho já fizeste infinitamente mais, chegaste a mais conclusões que outros, ditos "pesquisadores", portugueses, que trabalham para instituições públicas, financiados, e que até agora só produziram futilidades e lugares comuns! Nada trouxeram de novo, não conhecem nada, de nada sabem e publicam aquilo que é lugar comum desde há gerações!
    Consultar o trabalho que entretanto foram fazendo, publicados sob a égide de respeitáveis instituições, é uma desgraça!
    Nada se aprende! Só baboseiras que qualquer pessoa com uma dose razoável de paciência para levar a cabo uma pesquisa rápida consegue, depois de um dia de leitura.
    Os parabéns pelo trabalho desenvolvido, o qual se encontra muito bem coadjuvado pelo teu comentador Raúl. Fazem uma dupla fantástica, que é muito enriquecedor ler.
    Abraço
    Manel

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    1. Obrigado, querido Manel!
      Conheço bem este tipo de pesquisador que você se refere, pois infelizmente a Academia por aqui também está infestada por esta praga!!
      Você tem toda razão: os colaboradores que se juntaram ao blog tem feito muita diferença no rumo desta "trabalho" (pois na verdade era para ser apenas um passatempo, um lazer, mas... eu nunca consigo manter assim!! que maldição!), não apenas meu caro novo amigo Raul Félix, mas também os holandeses Johan Kamermans, Peter Sprangers e o belga Mario Baeck. Sem falar, naturalmente, dos já amigos queridos portugueses, como você, o Luis e a Maria Andrade, que sempre me ajudam quando há telhões e faianças (e em raras ocasiões, azulejos) portugueses nos imóveis.
      Contar com os conhecimentos e opiniões de todos vocês é algo muito rico e especial para mim.
      abraços

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  5. Oi, Fábio,
    Notei que você pulou uma casa entre as de número 2 e 3. Tudo bem que ela é idêntica às suas vizinhas originalmente mas ela também merecia ter sua foto aqui, coitadinha.
    Abraços,
    Raul.

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    1. Oi Raul, obrigado pelo toque! Na verdade, eu não havia pulado não. O editor do blogspot é cheio de "bugs", e quando eu editei a postagem para incluir as informações e fotos que o Peter me forneceu, ele bagunçou tudo, eram muitas fotos, e eu não percebi que ele havia "comigo" a terceira casa. Este editor faz isto o tempo todo, mas eu fico de olho. Desta vez escapou por serem casas demais, parecidas demais. ;-)
      Está lá de volta.
      abraços!

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