Casarão extremamente degradado, no antigo bairro Imperial de São Cristóvão.
Achei bem interessante a forma como usaram dois padrões 1x1 diferentes (que eu ainda não havia encontrado em nenhuma outra construção) para criar um novo padrão mais amplo, que acaba dando o efeito de um padrão 4x4, num belo xadrez, com as estrelas de 8 pontas interligadas pelo "X".
O padrão usado na cercadura é um velho conhecido por aqui no blog. É um padrão francês bastante comum no Rio de Janeiro mesmo hoje em dia, imaginem pelo final do século XIX.
No friso no topo da casa escolheram usar apenas o padrão de estrelas de 8 pontas, o que a uma certa distância, cria uma textura completamente diferente da fachada.
Já no topo das janelas, onde usaram também um friso formado apenas pelo padrão de estrela de 8 pontas, surge curiosamente uma conhecida cercadura holandesa, no padrão de "gregas", onde cada azulejo foi cortado na metade no sentido horizontal, criando-se assim uma nova cercadura, como se fossem colchetes virados sempre para o lado interno do friso.
A criatividade dos arquitetos ou construtores que usavam os azulejos nas fachadas do Rio de Janeiro realmente não tinha limites! Estes artifícios são algo que não se encontra em Portugal, ao menos eu jamais vi uma tal mistura de padrões diversos em uma única fachada, ainda mais com recortes e intercalações de desenhos que formam novos desenhos. Isto não se vê sequer nos outros estados onde houve também grande uso de azulejaria no século XIX, como Pará, Bahia, Maranhão e Amazonas. E nem mesmo nas outras cidades do interior do Rio de Janeiro. Isto é algo que está cada vez mais me parecendo exclusivamente carioca.
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Atualização em 23/4/2013
Vejam abaixo a foto de 1993, de autoria de Raul Félix, que ele mencionou em seu comentário. O casarão estava ainda em um estado muito melhor, mas uma pobre arvorezinha definhava, sem luz e com toda a poluição daquela rua destruída pelo elevado da Linha Vermelha, inaugurada em 1992, ou seja, apenas um ano antes da foto de Raul Félix:
Custa-me compreender a razão porque a beleza dos materiais não consegue atingir a sensibilidade do ser humano, a ponto destes o transformarem de forma a tornar-se irreconhecível.
ResponderExcluirSerá possível que o desprezo pela beleza seja tão grande que os leve a tentar tapá-la de forma indelével?
Ou serei eu um ser humano desadequado que vive num mundo de faz de conta e esta imagem que mostras é que é a realidade?
Fico sempre sem palavras e com uma dose incontrolável de desconsolo e frustração perante tamanho vandalismo
Manel
Manel, eu também fico profudamente triste com cenas como esta, que são muito comuns por aqui, ainda mais em bairros degradados e abandonados.
ExcluirAlém do vandalismo puro e simples, creio que haja em muitos casos um espírito de revolta por trás deste tipo de manifestação, que não a justifica, de forma alguma, mas que denuncia uma imensa camada invisível de marginalizados, que a sociedade como um todo prefere fingir que não existe.
É muito mais fácil para nós que tivemos uma vida mais ou menos boa, com educação, comida, proteção, esperança, sonhos e oportunidades, ser capaz de apreciar o belo e querer preservá-lo. Mas quando nunca se teve nada, ou se perdeu tudo, tudo mesmo, de forma que mais nada tenha qualquer valor, e ninguém ou nenhuma instituição lhe estende a mão, o que resta ao ser humano? como esperar que sejam corretos, respeitosos, justos, amáveis, quando jamais receberam este tipo de sentimentos em retribuição?
abraaços
Parabéns Fábio, pelo tua análise do primoroso assentamento dos azulejos deste casarão. À beleza que salta aos olhos (de poucos, infelizmente), acrescenta-se o encantamento da feitura, quando averiguamos os pormenores. No que tange o mau estado em que se encontra esta bela fachada, acho que contribuem três fatores. Em primeiro, a construção do elevado da Rua Bela, que a transformou num espaço sombrio e enfumaçado. E segundo, a moda das pichações, que é relativamente recente, e para testemunhá-lo tenho minha foto de 1993: http://www.panoramio.com/photo/46061600 . E em terceiro, o que é mais grave e geral, que é o absoluto desprezo que a maioria dos brasileiros tem por tudo que é antigo ou tradicional.
ResponderExcluirAbraços,
Raul.
Raul, seu comentário é um grande acréscimo à minha "discussão" um tanto sociológica, dá um outro lado para a história. Eu na postagem não pretendia entrar em tantos detalhes sobre o abandono do bairro de São Cristóvão, tão fundamental no perido do Império, e propositalmente "deletado" pelos Republicanos.
ExcluirVou acrescentar sua foto à postagem. obrigado!
abraços
A foto do Raul Félix que inseriste e o teu comentário fez-me pensar um pouco sobre a situação de uma determinada "classe" (não gosto do termo, mas é o melhor que se me depara) de pessoas, que alguém denomina de inteletuais (bastas vezes de forma pejorativa), que são pessoas que vivem de forma aperreada e espartilhada por todas as forças circundantes.
ResponderExcluirEstão sujeitas à classe política, porque esta tem o poder legislativo e burocrático sobre o seu dia-a-dia, ao poder económico, porque estão em tudo dependentes das modas despoletadas pela classe mais abastada (e todos sabemos que o gosto desta camada deixa muito a desejar) e igualmente pelas suas decisões (porque o dinheiro lhes concede o poder decisório), ao poder religoso, pois este rege a conduta moral e social (nem sempre a mais saudável, como é sabido também), às classes mais baixas, pois estas não têm nada a perder e fazem o que lhes dá na real gana, sabendo que o facto lhes proporciona impunidade, aos facínoras e malfeitores da sociedade, pois, após o mal feito não há justiça que valha. O que se perdeu está perdido!
E, como se fosse pouco, ainda lhe é pedido, a esta "classe", com base numa compreensão e equilíbrio humanos que entendam e desculpem os desmandos de todos os outros, praticados sob as condicionantes das suas vidas. Até se pode ser boa pessoa, mas a capacidade de ser santo vai além das possibilidades.
Efetivamente, as pessoas desta "classe" vivem vidas muito espartilhadas, sob uma ditadura social, artística, política e económica ditada por todas as outras, em que cada ser humano não consegue ter uma forma de vida que esteja a par do investimento que faz na sociedade - recordo aqui quão poucos dão conta do investimento tremendo e admirável que estás a fazer neste teu blog, onde captas de forma curiosa, lúdica e conscienciosa a tradição e história de toda uma população.
Dou-me conta que aqui reside aqui parte da sensação de impotência que se tem.
Desculpa o desabafo Fábio, mas por vezes fico por demais frustrado (é passageiro, também é verdade), no entanto não quero deixar de te congratular e agradecer por tudo o que aqui tens feito e continuarás a fazer, estou certo, pois és por demais generoso e entusiasta no teu trabalho
Manel
Caro Manel, não precisa se desculpar de nada! Seu desabafo é bem recebido, pois não é um mero espernear sem sentido. Acrescenta muito ao debate.
Excluirgrande abraço!
Percebe-se que em tempos a rua foi bela. Mesmo agora essa simples casa mantem a beleza que sempre a decadência tem. Presumo que seja perto do antigo Palácio de S. Cristovão, onde viveram D. João VI e D. Pedro IV de Portugal, I do Brasil.
ResponderExcluirTalvez faça parte da cultura do Novo Mundo esquecer o que ficou para trás ou talvez isso seja uma ideia feita, pois aqui em portugal, também descuramos o património.
Em todo o caso, o trabalho de levantamento que aqui fazes é muito útil e eu próprio a partir do que aqui li, já revi algumas ideias feitas que tinha sobre a azulejaria portuguesa.
Quanto aos vândalos que grafitaram essa fachada percebo o que queres dizer. No fundo é gente que entrou na vida pela porta dos fundos. A miséria que o destino lhes traçou é quase irreversível.
De Lisboa para o Rio, com amizade
Olá querido Luis.
ExcluirA rua, que não tem mais nada de bela, ainda possui algum casarões interessantes, todos soterrados pelo maldito elevado. Pelo pouco que sobrou, me parece que não chegou a ser uma rua rica, talvez de classe média, pois os casarões que pude ver no Street View são todos de apenas 1 pavimento, e não com muita frente, ocupam terrenos padrão, como este imóvel da postagem. Espero que o Raul Félix venha aqui comentar mais sobre a rua, pois ele certamente saberá nos contar muito.
Esta rua não é longe, mas também não é exatamente "ao lado" da área do Palácio, na Quinta da Boa Vista, atual Museu Nacional. Aqui onde moro, que fica para o lado oposto da Rua Bela e todo o bairro de S. Cristóvão, possui (e já possuiu muitos mais) verdadeiras mansões de centro de terreno, verdadeiramente luxuosos, e com grandes jardins e quintais. A casa do Chalaça (Francisco Gomes da Silva, confidente de D. Pedro I) é quase ao lado, ao final da minha rua. Alguns palacetes da família real ficavam para este lado, no bairro do Maracanã, e não para o lado de São Cristóvão.
Talvez a mansão mais conhecida do lado de São Cristóvão seja a da Marquesa de Santos (Domitília de Castro e Canto Melo), a mais conhecida amante de D. Pedro I, que está sendo reformada para abrigar o Museu da Moda.
Já falei demais sobre o que sei de menos. É melhor parar.
abraços
Fabinho
ResponderExcluirTalvez para os seus dilectos seguidores Lisboetas fosse uma boa ideia colocar um mapa do centro do Rio de Janeiro, para localizar melhor estas suas peregrinações cariocas.
Essa, a Marquesa de Santos conheço eu. Enfim, essas partes da história fixamos muito rapidamente. Abraço e obrigados pelos esclarecimentos
Eu tenho um mapa no Google onde já marquei todos os imóveis azulejados que já descobri na cidade. Vou fazer um "print screen" dele e colocar no blog.
Excluirabraços!
Oi, Fábio,
ResponderExcluirNo tempo do império a Rua de São Cristóvão, que era a principal via de acesso por terra à Quinta da Boa Vista e suas redondezas a partir do centro da cidade, tinha início no Largo do Estácio, onde se encontrava com a Rua de Mata-porcos, (atual Frei Caneca) em direção à Cidade, e a Rua do Engenho Velho (atual Haddock Lobo), que dava acesso ao Engenho Velho, Andaraí e Tijuca (não existiam Grajaú, Vila Isabel, Aldeia Campista). Isto significa que originalmente a Rua de São Cristóvão incluía também o trajeto das atuais Rua Joaquim Palhares e Rua Ceará e que alguns dos mais belos palacetes da nobreza imperial estavam nesta parte do velho São Cristóvão que hoje é chamada de Praça da Bandeira. De um modo geral pode-se dizer que todo o bairro de São Cristóvão era, até os anos vinte, um bairro residencial de classe média com algumas áreas mais nobres, próximas à Quinta. A Rua Bela era um pouco mais distante, mas próxima e paralela à praia, e parece ter sido bem habitada, a julgar pelos poucos casarões antigos que sobrevivem (repare também que este do post já é republicano, embora siga a linguagem do neoclassicismo imperial). Entretanto eu não arriscaria dizer que São Cristóvão chegou algum dia a ser o bairro nobre da cidade, pois já desde o início da colonização várias regiões da cidade, tais como Botafogo, Laranjeiras ou o Alto da Tijuca disputavam a preferência dos abastados da cidade.
Abraços,
Raul.
Embora eu não conheça as histórias dos bairros como você, eu também acho que São Cristóvão foi no máximo um bairro de classe média, se é que existia este conceito naquela época, e a parte mais abastada ficou do lado de cá onde eu moro, no Maracanã (que também não existia naquela época, já que este bairro só foi criado em 1950, junto com o estádio de futebol. Antes disso, aqui também era São Cristóvão).
ExcluirDeste lado de cá, nas redondezas de onde moro, rua Senador Furtado, rua Ibituruna, General Canabarro, etc, ainda possui, mas já possuiu muito mais, mansões e mesmo vastas chácaras, como a “Chácara do Souto”, a mansão do Duque de Saxe e a princesa Leopoldina (onde agora está a Escola Técnica), o casarão do Chalaça, o imóvel original com capela onde se instalou a Universidade Veiga de Almeida, uma mansão na esquina da Ibituruna que não sei de quem era que foi demolida no final dos anos 1980 e onde não se construiu nada, o "castelinho" na Ibituruna, entre outros.
abraços
Exatamente, quando falei na Praça da Bandeira, me referia a toda região logo ao sul da linha ferroviária. Além da Rua de São Cristóvão, as ruas com mais referências a palacetes e residências nobres, segundo o livro A História das Ruas do Rio, de Brasil Gerson, eram a Duque de Saxe, que incluía as atuais General Canabarro ao sul e Almirante Baltazar ao norte, e a Avenida Francisco Eugênio que teve todo o lado ímpar demolido para a abertura de um canal.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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ResponderExcluirPixadores
ResponderExcluirNão gosto de pixadores, emporcalharam a linda casa. Uma afronta.
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