sábado, 8 de dezembro de 2012

Centro XXX - Igreja de Santa Rita

Há muito que estou para fazer este post sobre os azulejos da Igreja de Santa Rita, uma pequena jóia sufocada no meio dos imensos e feiosos prédios da av. Pres. Vargas e imediações, no Centro da cidade, mas venho adiando pois ainda não consegui descobrir nada sobre os azulejos. Enfim, aqui estão as fotos, e uma pequena história da bela igreja, que fica no Largo de Santa Rita, ao final da rua Teóphilo Otoni, esquina com rua Miguel Couto.




A Igreja, do século XVIII, tem fachada simples, junto à calçada, com detalhes expressivos do Barroco. Internamente, há um pequeno átrio sob o coro, tendo-se, à esquerda um batistério, uma pia batismal de mármore e um quadro a óleo com o batismo do Senhor Jesus, e à direita, uma imagem de Santa Rita e, de cada lado da entrada, uma pequena pia de mármore. A nave retangular apresenta as paredes laterais com pilastras que se estendem à cimalha com os arcos do teto abaulado, que apresenta lindos painéis.

No fundo da nave o majestoso altar com o trono da Padroeira, nos nichos laterais dois pares de colunas torsas, que guardam a imagem de Santo Agostinho, a esquerda, e a de Santo André Avelino a direita. O teto, abaulado, apresenta uma clarabóia central e três belos painéis de cada lado, com os mesmos simbolismos da nave.

No segmento da esquerda, ficam a secretaria e a sacristia. Nesta, há, à esquerda, a fonte histórica muito procurada no passado pelas curas milagrosas de doenças dos olhos; no lado direito, vê-se um nicho que guarda a primitiva imagem de Santa Rita de Cássia (1750) e belo lavabo português em mármore.




O culto à Santa Rita de Cássia teve início no Rio de Janeiro antes de 1710, quando aqui chegaram o fidalgo português Manuel Nascentes Pinto, sua mulher Da.Antônia Maria e o filho Inácio. Veio em missão dada pelo rei de Portugal, D. João V. O casal trouxe de sua pátria um belo quadro de Santa Rita de Cássia, Santa de sua devoção, que por vários anos vinha sendo cultuada no solar da chácara, que ficava no limite da atual Rua Teophilo Otoni até a cercania do Morro da Conceição. 

Todos os anos, no dia 22 de maio, os nobres portugueses reuniam muitos religiosos na residência senhorial, para a veneração da Santa de devoção; toda a cidade era convidada. Em pouco tempo o fidalgo resolveu ampliar o local da veneração, construindo na propriedade uma Capela (atual Igreja de Santa Rita) e mandando vir de Portugal uma rica imagem da santa (esta até hoje no altar), guardada na Igreja da Candelária enquanto se construía o pequeno templo, cuja pedra fundamental foi colocada em 1720. Foi tal o incremento dado pelo fidalgo Nascentes Pinto, que a tudo custeava, que um ano após, em 1721, já estavam prontos a Capela-mor, a sacristia e o consistório da Igreja. 

Nessa época, também foi criada a Irmandade de Santa Rita de Cássia, que assumiu a administração da Igreja em 13 de maio de 1721, nesse documento, o benfeitor reservava para si o padroado da Igreja, até então propriedade particular. Tal fato abriu prolongada demanda, pois o Bispo D. Francisco de S.Jerônimo, o que colocou a Pedra Fundamental da Igreja, recusou-se a reconhecer tal intento, alegando que só o Rei de Portugal podia ser padroeiro das Igrejas no Brasil. Com a morte do benfeitor, seu filho Inácio, continuou a querela com o Bispo. Em 1741, por insistência do Bispo e ameaças até de excomunhão, o herdeiro Inácio Nascentes Pinto foi obrigado a ceder, entregando o Templo à Mitra, mas dando continuidade à questão.

Certo dia, uma grave doença acometeu Inácio, deixando-o paralitico, sem voz e surdo. Considerando ser um castigo do céu por seu litígio com a Mitra, o herdeiro apelou para Santa Rita, prometendo encerrar a questão caso ficasse curado. Passados alguns dias, Inácio teve restabelecidos todos movimentos e sentidos, voltando a caminhar. Faleceu tempos depois, tendo passado a seus filhos a determinação de não mais entrar em conflito com a Mitra.

O Templo foi elevado à condição de Igreja Matriz em 30 de janeiro de 1751, com a criação da Paróquia de Santa Rita. O templo guarda relíquias de Santa Rita de Cássia e de Santo Lenho, sendo tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( IPHAN).

O terreno do largo foi utilizado como cemitério dos "pretos novos" (escravos recém-chegados ao Brasil) por muito tempo. Décadas após levantou-se um cruzeiro no local, lembrando os mortos, e, em 1839, inaugurou-se um chafariz, substituído em 1884 por outro de ferro fundido. Para poupar a linda igreja da demolição na abertura da Av. Marechal Floriano, a administração municipal, fez um suave inflexão na caixa da nova avenida, que seria reta.

foto de 1908, onde vemos o chafariz à frente da igreja de Santa Rita, no largo de mesmo nome.
Ao fundo, à direita, vemos as torres da igreja de São Pedro dos Clérigos
Esta aquarela (1844) está no livro "O Brasil de Eduard Hildebrandt", enviada pelo caro amigo  Raul Félix.
Nela vemos ainda o chafariz antigo, que foi substituído em 1884, e é o que está na foto de 1908.
Observem igualmente ao fundo, à direita, as torres da igreja de São Pedro dos Clérigos.


Neste detalhe da aquarela acima, eu marquei as torres da igreja de São Pedro dos Clérigos, à direita,
e à esquerda, o que acredito serem as torres da igreja da Nsa. Sra. da Candelária.
A igreja de Santa Rita ainda aparece em sua glória barroco/rococó na imagem acima.
Em 1870 o frontispício lavrado foi substituído por um arco simples. E como vemos na comparação
entre as fotos de 1908 e hoje, a fachada foi ainda mais simplificada no século XX.
vestíbulo da igreja
Abaixo vemos um detalhe dos azulejos usados na Igreja, formando um silhar que vai desde o vestíbulo, até a nave central e sacristia. É um azulejo feito com transfer print, o que me faz pensar em Inglaterra ou Alemanha, mas as suas dimensões são estranhas: são bem menores do que o que se costuma encontrar em azulejos ingleses e alemães antigos. Entretanto, eu já encontrei um caso de azulejo inglês, impresso com transfer print também, e com as mesmas dimensões do azulejo desta Igreja, o que é o mais perto que eu já consegui de pista para sua identificação.

Pela técnica usada na impressão dos azulejos, acredito que eles tenham sido fabricados e aplicados nas paredes muito mais recentemente do que a construção da Igreja, pois me parecem ser azulejos do século XIX, enquanto a Igreja, como já vimos, é da primeira metade do século XVIII.


20 comentários:

  1. Que bonita é esta igreja! Parece um pérola no meio de calhaus...
    O interior é riquíssimo mas leve e harmonioso e os azulejos são realmente invulgares, pelo menos a olhos portugueses.
    E gostei muito de ler a história que aqui partilhou, enriqueceu muito o post!
    Tenha um bom domingo.
    Bjos

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    1. Olá Maria Andrade,
      Obrigado por suas palavras.
      Infelizmente a arquitetura no Rio de Janeiro a partir do período Getúlio Vargas (déc. 1940) e no pós-guerra se tornou do tipo mais vagabundo e sem qualquer interesse estético. Antes, desde o período colonial, até anos 1930, mesmo as construções mais simples tinham alguma graça,e na maioria das vezes, eram realmente bonitas e bem construídas.
      A cidade mais bonita do país, e uma das mais bonitas do mundo, em termos de paisagem natural, foi gradualmente se tornando medonha! É preciso abstrair muito monstrengo, para se poder ver as pérolas que sobram ainda.
      b'jinhos

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  2. As cores mais claras do interior fazem-na parente, ainda que pobre, do barroco austríaco e do Sul da Alemanha.
    Mas que a igreja é uma graça, lá isso é, com uma arquitetura despretensiosa, mas harmoniosa.
    Quanto aos azulejos, olho-os e não os reconheço ... não estou habituado a vê-los por aqui. Mas, ainda que relativamente recentes, pois serão do século XIX seguramente, vão muito bem com a arquitetura deste edifício.
    Quanto ao entorno prefiro nem falar ... fico deprimido só de olhar.
    Mas isso acontece com a grande maioria das cidades do globo. Se eu andar pela Amadora, Venda Nova, e outras partes semelhantes que constituem a grande Lisboa, ficaria igualmente deprimido! Evito-as com todo o cuidado.
    Faço como se diz que faz a avestruz ... enterro a cabeça na areia e faço de conta que nada existe!
    Manel

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    1. Pois é querido Manel, muitas vezes a solução possível é esta, fazer como a avestruz. Mas duvido que nestes locais que você citou algo seja tão medonho quanto estas vistas dos fundos dos prédios comerciais construídos para enfeiar esta linda cidade entre as décadas de 1940 e 1970. É INACREDITÁVEL como são feios e com arquitetura ZERO.
      A igreja, se pensarmos que foi construída apenas com o dinheiro de um único benfeitor, passa a me parecer incrivelmente rica. Ela é um paraíso ali naquela área. às sextas-feiras, na rua que fica bem de cara (em frente) à igreja, acontece um grande happy hour, com mesas e cadeiras na rua (é uma rua de pedrestres). Este pedaço desta rua é quase toda ainda com sobrados antigos, de forma que se não olharmos demasiado para cima, é possível se sentir transportado no tempo.
      abraços

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  3. Triste é pensar que a dois pequenos quarteirões dali, bem defronte dos prédios monstruosos que aparecem ao fundo na primeira foto, estava a primorosa igreja de S. Pedro dos Clérigos, uma pérola do barroco, que foi demolida para a abertura da avenida que o ditador abriu para homenagear a si e ao Estado Novo brasileiro.

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    1. O Raul tem toda a razão, pois era uma das raras igrejas com planta arredondada. E como eu dizia, o embrutecimento da arquitetura no Rio de Janeiro começa justamente na ditadura Vargas.
      Para quem quiser saber um pouco mais sobre a igreja de São Pedro dos Clérigos:
      histórico da igreja
      outras duas fotos da igreja
      uma gravura de como era o interior da igreja

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    2. Que fantástico Fábio!
      Olho para a parte redonda da igreja e faz-me lembrar, ainda que sob moldes algo diferentes, esse outro templo denominado de Tempietto de San Pietro in Montorio, de Bramante, do alto renascimento. Estas formas são fantásticas e belas, como só o espaço cénico e dramático, típico do barroco da contra-reforma, soube criar.
      Obrigado por nos ter dado a conhecer mais esta jóia desconhecida!
      Manel

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    3. Olá Manel,
      Procurei o Tempietto de San Pietro in Montorio pois não o conhecia, e que GRAÇA de construção! Uma caixa de jóias.
      Voltando à igreja de São Pedro demolida, acabei descobrinco que a sua portada barroca sobreviveu, e foi transplantada para a Igreja de Sã Pedro no Rio Comprido. Tem uma foto dela aqui:
      https://lh4.googleusercontent.com/-ZdTNEwWvPWY/THe-rdWnTPI/AAAAAAAAQPU/bOIZ1TdP4VQ/s1047/100_0013.jpg

      e aqui vemos a fachada da nova igreja de São Pedro, que por acaso é bem perto daqui de casa:
      https://lh5.googleusercontent.com/-uSh1JjSCUVo/T8QHdRY6-fI/AAAAAAAAXK0/49lFvxy5lqQ/s1048/DSC00203.JPG

      Ambas as fotos são de autoria de Ivo Korytowski.

      abraços!

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    4. O portal, visto isolado, continua imponente e belo, mas quando aparece enquadrado na sua nova casa, desaparece e fica reduzido a elemento espúrio num conjunto que de barroco nada tem. Já está ligado a uma estética mais austera ao gosto da arquitetuta dos neos na centúria de oitocentos.
      Parabéns por estares ao pé de tão belíssimo conjunto.
      Estive a ver outras fotos e reparei que esta igreja até tem cruzeiro coberto com cúpula coroada com lanternim. A cobertura da cúpula com uma espécie de escamas, tem um aspeto recente (talvez seja antiga, mas está com um ar de ser bem muito bem mantida), dá um efeito bonito.
      Manel

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    5. Exato Manel, está igreja já é do período neo-várias_coisas, que às vezes penso que já era o prenúncio de certo esgotamento da criatividade humana, que vei a dar no "pós-moderno" dos anos 1980, e a partir daí, uma onda de "revisionismo" sem fim.
      Verifiquei que o nome completo da igreja é "Igreja de São Pedro Príncipe dos Apóstolos". Não apenas o portal foi transferido da antiga igreja, demolida em 1943, para esta nova, mas vários outros elementos decorativos, imagens e mobiliário.
      Parece ridículo, mas acredita que não consigo encontrar o ano de construção desta igreja? O melhor que cheguei é um postal do bairro do Rio Comprido dos anos 1920, onde ela já aparece completa.
      abraços!

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  4. Bonita igreja. Encantou-me o corpo lateral pintado com os amarelos que se encontram em muitas terras antigas do Alto Alentejo, distrito de Portalegre.

    Sta Rita é advogada das causas impossíveis e talvez se rezarmos a ela, o Perfeiro do Rio de Janeiro mande implodir os arranha-céus, que desfeiam o seu pano de fundo da Igreja.

    Abraços

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    1. Pode perder as esperanças, ao menos com o prefeito atual!! Pois ele pretende construir várias torres de 50 andares na região portuária, local esquecido por tantas décadas que é um paraíso de casinhas antigas, do século XIX e início do XX. Ou seja, se depender dele, mais monstrinhos estão à caminho.
      Estes prédios por trás da igreja, em particular, alguns tem passado por reconfigurações na fachada frontal, ficando bem menos medonhos, embora ainda feios, mas ao menos ficam suportáveis. Mas o problema é que aqui no Rio, os FUNDOS dos prédios ninguém nunca se preocupa em cuidar, seja prédio comercial ou residencial, como se estes fossem invisíveis!! não sei o que vai pela cabeça desta gente!!!

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  5. pessoal,
    Publiquei uma foto de 1908 da Igreja de Santa Rita onde me parece que ao fundo vemos as torres da igreja de São Pedro dos Clérigos. Confirma, Raul Félix?
    abraços

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  6. Exatamente. Que diferença, hem? Tenho agora em mãos o livro "O Brasil de Eduard Hildebrant" onde há uma belíssima aquarela, que acabei de conferir, feita deste mesmo exato ângulo. Mais tarde escaneio e mando para você.
    Raul.

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    1. Que coisa incrível e tão diferente deveria ser circular nesta área, sem o rasgo da av. Pres. Vargas.
      abraços!

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    2. Raul, muito obrigado pelo envio da aquarela! Eu acho que além das torres da S. Pedro, à esquerda aparecem também as torres da Candelária, vc concorda?
      Uma coisa que me intriga é que pela aquarela e a foto de 1908, percebemos que a igreja era mais barroca antes, e foi gradualmente sendo simplificada. Que coisa mais louca!!
      abraços

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  7. Respostas
    1. Obrigado! Eu estava quase tão certo disso, que até já tinha escrito isso quando publiquei a aquarela.
      abraços

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