sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Azulejo como suporte do design gráfico

por Vanessa Zorgi, 2008


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Com as Invasões francesas, a corte portuguesa refugia-se no Brasil e o início do século XIX trazem estagnação à produção de azulejo em Portugal. Mas no Brasil o emprego do azulejo vai ter um desenvolvimento paralelo autônomo e, desde finais do século anterior, observa-se, especialmente ao norte do país, sua aplicação como revestimento total de fachadas de edifícios. Este fenômeno tem a sua principal origem nas condições climáticas; assume-se o azulejo como elemento impermeável, protetor contra chuvas intensas, simultaneamente possibilita o arrefecimento do interior por refletir o calor. 


Estes revestimentos, inicialmente em branco, desenvolvem-se para padrões simples a duas cores. Com a decadência das oficinas de Lisboa o fornecimento de azulejos para  oBrasil é feito pela Inglaterra, França e Holanda. Mas rapidamente se reconhece que os gostos não são similares e a produção de azulejo em Portugal renasce para atender às encomendas brasileiras. Devido ao regresso de um grande número de portugueses ao território, o novo gosto brasileiro vai ser implementado em Portugal, principalmente na região do Porto, surgindo nesta altura as primeiras fachadas revestidas de azulejo fabricadas pelos novos métodos de produção semi-industriais e industriais. Este hábito provoca diferentes reações no território português, por um lado é encarado como uma deturpação dos revestimentos que pertencem ao intimismo do interior da habitação – sendo mesmo utilizado o termo “casas de penico”, para designar o uso do azulejo como revestimento nas fachadas –, por outro lado reconhece-se o seu potencial de valorização estética dos exteriores.

2.3 O Azulejo no Brasil

No primeiro período do século XIX, produziu-se uma descontinuidade na exportação de placas cerâmicas portuguesas para o Brasil, em virtude da liberdade de comércio decretada em 1808 por Dom João VI e como consequência do rompimento com a metrópole devido à proclamação da Independência em 1822, após o que o mercado foi conquistado por outros países. Iremos focalizar o assunto nos azulejos existentes nas cidades de Olinda e Recife, cidades onde receberam influência portuguesa na decoração. Além disso, o Brasil importou no século XIX azulejos da França, Holanda e Inglaterra, os quais também fazem parte da nossa história. 
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Figura 15. Azulejo de 13 x 13 cm e módulo 4 x 4 cm, na cidade de Recife. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 52)

Figura 16. Azulejo português de influência holandesa de 13,5 x 13,5 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 51).

Figura 17. Azulejo português em Recife de 14 x 14 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 83).

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Alguns acontecimentos marcantes no Brasil no século XIX: a chegada da corte de Dom João VI (1808), o decreto da liberdade de comércio e indústria (1808), a proclamação da Independência do Brasil em 1822 e seu reconhecimento pela corte portuguesa em 1825.

A partir de 1822 continuou-se, no Brasil, a empregar azulejos. Depois de cerca de vinte anos de interrupção da exportação, Portugal retomou a posição de grande fornecedor de azulejos, até a Primeira Guerra Mundial. Acontece que, mesmo antes da Independência do Brasil, durante o período do Reino Unido, os construtores de edifícios recorreram aos mercados fornecedores europeus para a obtenção daquele material, como conseqüência da abertura dos portos pelo decreto de 28 de janeiro de 1808. São essas algumas razões da existência, no Brasil de azulejos holandeses, franceses, ingleses e alemães. Todos apresentavam características da industrialização: pasta fina, dimensões padronizadas pequenas, vidrado liso, espessura do biscoito reduzida, decoração estampilhada, decalcada, entre outras.

Figura 19. Azulejo francês em Olinda de 11 x 11 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil dePernambuco, p. 120).
Figura 20. Azulejo francês em Recife de 11 x 11 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil dePernambuco, p. 112).

No Brasil, as fachadas começaram a receber o revestimento parietal azulejar nos anos de 1830 para os 1840. Além do aspecto decorativo, de embelezar o imóvel, o azulejo tinha a função utilitária de proteger contra a umidade (que trazia mofo e fungos) característica do clima tropical de nosso país. Umidade agravada pela salinidade existente nas cidades litorâneas ou situadas às margens dos rios. Tanto assim que aquelas que mais receberam fachadas azulejadas foram as que apresentavam uma ou mesmo as duas características geográfica: Belém do Pará, São Luís do Maranhão, Recife, Rio de Janeiro e Porto Alegre. 
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Entre 1840 e 1890 foi muito difundido o costume de azulejar casas e sobrados. A partir de 1860, com a importação em grande quantidade de azulejos franceses, os portugueses perdem a exclusivismo inicial e os padrões começam a se diversificar mais. 

Figura 25. Azulejo português de 13,5 x 13,5. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p.168).
Figura 26. Azulejo português de 14 x 14 cm, padrão raro no desenho e nas cores. (Fonte: O azulejona arquitetura civil de Pernambuco, p. 80).

Mesmo com menor intensidade que aquela verificada até 1890, o costume do revestimento parietal continuou até o final do século XIX. 


Figura 27. Azulejo inglês de 15 x 15 cm em Recife. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 41).
Figura 28. Azulejo português de 13,5 cm em Recife. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 41).
Figura 29. Azulejo francês de 11,5 x 11,5 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p. 35).
Figura 30. Azulejos franceses de 11 x 11 cm. (Fonte: O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco, p.53)

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Podemos destacar algumas peculiaridades entre os azulejos portugueses e franceses. A principal diferença é a dimensão. Enquanto o azulejo português media entre 13x13 e 14x14 centímetros, o francês sempre menor tinha 10,5x10,5 cm e 11,5x11,5 centímetros. Tanto um quanto o outro apresentam as modalidades azul e branco e policromia, mas também há diferenças. O azul e branco português tem o desenho (azul sobre o fundo branco) mais nítido que o francês. Neste, em torno do desenho azul há um esfumaçado azulado, como se o azul transbordasse. O azulejo francês, também, contém o padrão na própria peça; enquanto no português é comum o desdobramento do mesmo em módulos de 2x2 (4 peças compõe o desenho) e 4x4 (oito peças formam o desenho completo). Os primeiros acontecem com mais freqüência nos padrões bicolores e o segundo em padrões policrômicos.

Outra diferença é no revestimento: os azulejos portugueses são contornados por frisos (cercaduras), elementos que correspondem em tamanho à metade do azulejo e cujo padrão é muitas vezes o mesmo, ou bem parecido, emoldurando os mais variados padrões de azulejos. Os franceses aparecem sós, ou seja, um azulejo de mesmo padrão estende-se por toda a superfície azulejada. Em alguns poucos casos, há cercaduras, que são na realidade outros azulejos, nas mesmas dimensões, mas de padrão diferente, contornando o principal. Em raros casos, aparecem frisos franceses semelhantes em tamanho aos portugueses. 
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6 comentários:

  1. Fábio,este texto é muito bom, e explica-me o aparecimento dos azulejos de variada manufatura no Brasil.
    A necessidade de colocação do revestimento azulejar no exterior, no Brasil, contra a sua colocação nos interiores, em Portugal.
    O dimensionamento do azulejo português e de outros países também é fundamental para mim sabê-lo.
    A forma de padronização portuguesa, que requeria muitas vezes 16 ou mesmo 32 azulejos para mostrar todo o desenho (sobretudo azulejo do século XVII, e alguns, menos, dos do XVIII), contra os outros europeus, cujo padrão era unitário.
    A função da cercadura no azulejo fundamental, que era praticamente obrigatória, como se se tratasse de uma regra ordenatória, o que nem sempre acontecia fora de Portugal. Aliás, até me parece que determinados assuntos ou padrões exigiam o uso de cercaduras tradicionais standardizadas.
    Muito informativo e interessante este texto (desconhecia-o), os meus agradecimentos pela sua publicação.
    Abraço
    Manel

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    1. Olá Manel,
      Fico feliz que o texto lhe tenha sido útil, como o foi para mim.
      abraços!

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  2. O padrão de 32 azulejos não estou certo do seu uso, mas vou ler sobre isso, para ser mais rigoroso, pois tenho essa informação por aqui
    Manel

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  3. Fábio:
    O primeiro painel é uma tentativa portuguesa de imitar os de "figura avulsa" holandeses. São azulejos de padrão, com uma cercadura feita para delimitar o espaço da aplicação. São conhecidos como "azulejos de estrelinha", uma alusão aos cantos. Este da foto, me parece uma imitação do canto aranhiço, ou "spider corner" holandez. São do final do sec 17 para o inicio do 18. Os motivos são variados: flores, animais, pessoas, barcos, mais grosseiros que os holandeses.

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    1. Eu sou particularmente apaixonado pelos azulehos de figura avulsa. Há um prédio em Lisboa, na baixa, que tem a entrada toda decorada com eles, no silhar do vestíbulo e da escada, nos degraus da escada, e até nos vasos das plantas!! Eu passei um tempão ali, fotografando tudo. Dei sorte pois não passou ninguém.
      abraços

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